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Revisão em Psiquiatria: DELÍRIO

Jaspers define o Delírio Primário ou puro com sendo um juízo patologicamente falso da realidade. Este juízo falso deve apresentar três características:

1 - deve apresentar-se como uma convicção subjetivamente irremovível e uma crença absolutamente inabalável;
2 - deve ser impenetrável e incompreensível para o indivíduo normal, bem como, impossível de sujeitar-se às influências de correções quaisquer, seja através da experiência ou da argumentação lógica e;
3 - impossibilidade de conteúdo plausível.

Todos os casos que não satisfazem essa tríade não podem ser considerados Delírios Verdadeiros ou Delírios Primários (podem ser Idéias Deliróides ou Delírios Secundários).

A prática clínica da psiquiatria deixa bem claro a constatação da primeira regra de Jaspers. Diante de um paciente delirante, cuja ruptura com a realidade é evidente, não conseguimos demover tal Conteúdo do Pensamento mediante qualquer tipo de argumentação. Caso o paciente deixe-se convencer pela argumentação da lógica, razoavelmente elaboradas pelo interlocutor, decididamente não estaremos diante de um delírio, mas sim de um engano por parte do paciente ou de uma formação deliróide. Para ser delírio a convicção dever ser sempre inabalável. A argumentação racional não deve afetar a realidade distorcida ou recriada de quem delira, independentemente da capacidade convincente e da perseverança daquele que se empenhar nesta tarefa infrutífera.

Em relação à segunda regra, Jaspers alerta sobre a impossibilidade do Delírio ser compreendido por pessoas que mantém vínculo sólido com a realidade. A lógica da realidade do delirante não é aplicável à lógica dos indivíduos normais, daí a falta de compreensão psicológica do Delírio: carece relação entre a temática delirante e os elementos da realidade, notadamente com a conjuntura vivencial do paciente. Ao postular esta regra Jaspers definia aquilo que chamamos de DELÍRIO PRIMÁRIO, ou seja, uma idéia falseada da realidade, cujas fantasias não guardam relação com a realidade vivida. Em outras palavras, esta irredutibilidade do Delírio quer dizer que não pode haver uma relação compreensível entre o tema delirante e possíveis vivências causadoras. O que se confunde, às vezes, são histórias de afastamento da realidade posteriores à traumas emocionais mas, como já dissemos, trata-se aqui de Idéias Deliróides ou DELÍRIO SECUNDÁRIO. Nesses casos, secundários e relacionados à vivências traumáticas, o Delírio se apresenta de forma a sugerir um determinado Mecanismo de Defesa contra uma forte ameaça psíquica, normalmente angustiante, por isso falamos em DELÍRIO SECUNDÁRIO ou IDÉIA DELIRÓIDE. Aí sim, podemos interpretá-lo mediante uma análise vivencial e psicodinâmica plausíveis.

Exemplo: Um jovem de 23 anos, vítima de um acidente do trabalho que lhe custou a perda de quatro dedos da mão direita começou apresentar uma expressiva inadequação afetiva (ao invés de aborrecido, mostrava-se feliz) e com um delírio no qual julgava-se Deus, cheio de poderes, auto suficiente e ostensivamente ameaçador para com as pessoas que dele duvidavam. Resumidamente, está claro que tal ideação emancipada da realidade era por demais compreensível: tratava-se de um mecanismo de defesa psicotiforme no qual, em COMPENSAÇÃO à mutilação e deficiência o seu poder passou a ser infinito. Trata-se pois de uma Idéia Deliróide (ou um Delírio Secundário), o qual habitualmente pode fazer parte de numa Reação Psicótica Aguda.

Delírios com temática semelhante ou mesmo igual ao exemplo exposto quando surgem em pessoas sem nenhuma vivência justificadora, sem nenhuma possibilidade de redução dinâmica vivencial e impossíveis de conteúdo ou de compreensibilidade são os verdadeiros Delírios Primários. Já, a Idéia Deliróide, seria conseqüência de um estado afetivo subjacente e perfeitamente relacionável com uma vivência expressiva, por isso secundário.

A Idéia Delirante, ou Delírio, espelha uma verdadeira mutação na relação eu-mundo e se acompanha de uma mudança nas convicções e na significação da realidade. O delirante encontra-se imerso numa nova realidade de forma à desorganizar a sua própria identidade e se desorganiza pela ruptura entre o sujeito e o objeto, entre o interno e o externo, ou seja, entre o eu e o mundo.

Henri Ey trata do Delírio no capítulo reservado à Semiologia da Alienação da Pessoa e considera-o como uma modificação radical das relações do indivíduo com a realidade. Trata-se, conforme Ey, de um distúrbio que se relaciona essencialmente com a concepção do mundo, manifestando-se através de uma inversão das relações do Ego com a realidade, enfim, uma alienação do Ego.

Segundo Kraepelin, “Delírios são idéias morbidamente falseadas que não são acessíveis à correção por meio do argumento”. Bleuler, por sua vez, dizia que “Idéias Delirantes são representações inexatas que se formaram não por uma causal insuficiência da lógica, mas por uma necessidade interior. Não há necessidades senão afetivas”, determinava ele. Como percebemos, Kraepelin parece deter-se mais naquilo que entendemos por Delírio Primário, enquanto Bleuler já ventilava uma possibilidade do Delírio Secundário.

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