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Malformação x Má formação

LINGUAGEM MÉDICA - MALFORMAÇÃO, MÁ FORMAÇÃO Fonte: http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/malforma%E7%E3o.htm A palavra malformação, de largo uso em biologia e medicina, tem sido apontada como mal formada pelos guardiães da língua portuguesa. O argumento utilizado é sempre o mesmo: mal é advérbio e antes de um substantivo deve vir um adjetivo e não um advérbio; portanto, em lugar de mal deve usar-se o adjetivo feminino má - má formação, palavra que também aparece escrita de duas outras maneiras: má-formação e maformação.

É óbvio que a norma gramatical alegada é correta e deve ser observada. Contudo, a questão não é tão simples como parece à primeira vista e merece uma análise mais detida. Em primeiro lugar, apesar de suas raízes latinas, o termo não teve o seu berço na língua portuguesa. Fosse este o caso e certamente a citada regra teria sido obedecida. A introdução da palavra no vocabulário médico se deu na língua inglesa em 1800, segundo o Oxford English Dictionary,[1] e na língua francesa em 1867, segundo Robert. [2]. Em ambas estas línguas a palavra tem a mesma representação gráfica - malformation. Nenhum dicionário da língua portuguesa do século XIX registra malformação ou má formação e os lexicógrafos do século XX dão o termo como uma adaptação do francês [3][4] ou do inglês. [5] No dicionário de Aulete-Garcia, 3.ed., lê-se o que segue: "Malformação - (med.). O termo vem do inglês malformation e este do latim mal(a) + formatio, donde ser artificial a variante má-formação, pretendida por alguns".[5] Malformação não é a única palavra da língua portuguesa em que aparece mal em lugar de má. Temos, consagradas, malcriação, malfeitoria, malsonância, malquerença, malversão ou malversação e malandança. Em nenhum dos casos pode-se afirmar que mal entrou na composição da palavra como advérbio. Malcriação, segundo Pedro Pinto, é resultante de uma forma arcaica malaformação.[6] Embora a maioria dos nossos lexicógrafos ainda não tenha tomado conhecimento do fato, malcriação já não é o mesmo que má criação na linguagem popular e tornou-se sinônimo de malcriadez, que é pouco usado, ou seja, expressa resposta desaforada a um superior, ação ou dito descortês, indelicado, grosseiro.[7] No caso de malfeitoria admite-se que a palavra seja derivada de malfeitor, que a precedeu.[8] Do mesmo modo se explica malsonância, derivada do adjetivo malsonante.[8] Malversão e malversação são deverbais de malversar, do latim male versari (comportar-se mal).[5] Malquerença é igualmente um derivado pós-verbal de malquerer.[9] No caso de malandança, não poderia tratar-se de um l eufônico para evitar o encontro vocálico a-a? Assim, cada exceção à regra tem sua razão de ser e não surgiu por acaso ou por ignorância. No Brasil, o termo malformação aparentemente era pouco empregado até o início do século XX. Basta dizer que o mesmo não figura na obra especializada Noções de teratologia, publicado na Bahia em 1914, pelo Prof. Guilherme Rebello, quem utilizou anomalia e aberração em lugar de malformação.[10] Aos poucos o termo malformação foi sendo incorporado à linguagem médica e já em 1938, Pedro Pinto comentava que o mesmo estava sendo utilizado "pelos melhores escritores médicos de nosso tempo".[11] Os léxicos da língua portuguesa, editados a partir de 1950, têm assumido posições divergentes entre si no tocante ao termo malformação. Poderíamos catalogá-los, conforme o critério adotado, nos seguintes grupos: 1. Os que averbam as duas formas, malformação e má formação, não fazendo distinção entre elas.[12[13][14] 2. Os que registram as duas formas, com preferência para malformação.[5][15][16] 3. Os que registram as duas formas, com preferência para má formação. [4[8][17] 4. Os que averbam as duas formas, com maior abrangência semântica para malformação. [9][18][19] 5. Os que consignam apenas malformação.[3][20] 6. Os que ignoram ambas as formas. [21][22] Observe-se a mudança de posição do Aurélio, que estava no grupo 2 na segunda edição e passou para o grupo 3 na terceira edição. Aqui, como em tantas outras questões linguísticas, deve prevalecer, acima das regras gramaticais, o bom-senso e o respeito ao uso e à tradição, sobretudo quando não há unanimidade de pontos de vista entre os doutos e letrados. Convém lembrar que esta discussão se refere unicamente à linguagem médica e não à linguagem em geral. É bem de ver que na linguagem literária, a expressão má formação emerge naturalmente na exposição de uma idéia, fato ou evento, sempre que se procura caracterizar a gênese imperfeita, a variante anômala ou incompleta do ser ou do objeto em referência. Como termo técnico, no entanto, malformação tem significado preciso e acha-se definitivamente integrado no vocabulário biomédico. De acordo com o banco de dados da BIREME, disponíveis através do programa LILACS, foram publicados nos últimos 20 anos (1981 a 2000) 141 artigos científicos em revistas médicas brasileiras, utilizando no título do trabalho, ou malformação no singular, ou malformações no plural, e nenhum com a palavra má formação em qualquer de suas variantes,o que demonstra que malformação tem a preferência absoluta dos profissionais da área da saúde e deve prevalecer.[23] O único reparo que se poderia fazer diz respeito à expressão malformação congênita ou, o que é mais comum, malformações congênitas,no plural. Dos 141 trabalhos indexados pela BIREME, acima referidos, 12 utilizaram a expressão malformação congênita no singular, e 42, malformações congênitas no plural. Já em 1898, Littré definia claramentre o caráter congênito das malformações, reservando a denominação de deformações para os defeitos adquiridos.[24] Subentende-se, portanto, que toda malformação é congênita.
Referências bibliográficas 1. OXFORD ENGLISH DICTIONARY (Shorter), 3.ed. - Oxford, Claredon Press, 1978. 2. ROBERT, P.: Dictionnaire alphabétique et analogique de la langue française. Paris, Dictionnaires Le Robert, 1987. 3. NASCENTES, A. - Dicionário da língua portuguesa (4 vol.) Academia Brasileira de Letras, 1961-1967. 4. CUNHA, A.G. - Dicionário etimológico. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982. 5. AULETE, F.J.C., GARCIA, H. - Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, 3.ed. (5 vol.) Rio de Janeiro, Ed. Delta, 1980. 6. PINTO, P.A. - Dicionário de termos médicos, 2.ed. Rio de Janeiro, 1938. 7. CABRAL, T. - Novo dicionário de termos e expressões populares. Fortaleza (CE), Ed. UFC. 1982. 8. FERREIRA, A.B.H. - Novo dicionário da língua portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1999. 9. MICHAELIS - Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo, Cia. Melhoramentos, 1998. 10. REBELLO, Guilherme Pereira. Noções de teratologia. Bahia, Liv. Catilina, 1914. 11. PINTO, P.A. - Dicionário de termos médicos, 2.ed. Rio de Janeiro, 1938 12. MORAIS SILVA, A. - Grande dicionário da língua portuguesa, 10.ed. (12 vol.), Lisboa, Confluência, 1949-1959. 13. BUENO, F.S. - Grande dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa (8 vol.) São Paulo, Ed. Saraiva, 1963. 14. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS - Vocabulário ortográfico da língua portuguesa, 3. ed. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1999. 15. PACIORNIK, R. - Dicionário médico, 2.ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1975. 16. FERREIRA, A.B.H. - Novo dicionário da língua portuguesa, 2.ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1986. 17. CEGALLA, D.P. - Dicionário de dificuldades da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1996 18. FREIRE, L. - Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa, 3.ed. (5 vol.) Rio de Janeiro, José Olympio Ed., 1957. 19. GRANDE DICIONÁRIO BRASILEIRO MELHORAMENTOS, 8.ed. (5 vol.) São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1975. 20. REY, L. - Dicionário de termos técnicos de medicina e saúde. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A., 1999. 21. MACHADO, J.P. - Dicionário etimológico da língua portuguesa, 3.ed. (5 vol.) Lisboa, Livros Horizonte, 1977. 22. SÉGUIER, J. - Dicionário prático ilustrado. Porto, Lello & Irmão Ed., 1981. 23. BIREME - http://www.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/ 24. LITTRÉ, E. - Dictionnaire de médecine, de chirurgie, de pharmacie et l'art vétérinaire et des sciences qui s'y rapportent, 18. ed. Paris, Librarie J.-B. Baillière et Fils, 1898. Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora e Distribuidora de Livros Ltda, 2004.. Joffre M de Rezende Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina e-mail: jmrezende@cultura.com.br http:www.jmrezende.com.br

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